É fato: a maioria dos hospitais brasileiros não oferece estrutura adequada para os profissionais da saúde.
Também é evidente que o pouco de bom senso direcionado ao cuidado desses trabalhadores costuma beneficiar prioritariamente os médicos, escancarando desigualdades históricas entre as profissões da área da saúde.
Mas esse não é o foco da nossa conversa de hoje. Faço questão de pontuar apenas para que você, leitor(a), não pense que vivo em um mundo de fantasia ou ignoro as dificuldades reais da profissão.
O que me motivou a escrever esse texto vem dos meus quase dez anos como enfermeira de beira-leito em hospitais públicos e privados de São Paulo. Minha reflexão aqui não é sobre o que o sistema nos oferece, mas sim sobre o que nós, profissionais da enfermagem, estamos entregando.
Se você busca um texto acolhedor, pode parar por aqui. Essa conversa vai ser direta, e talvez desconfortável.
A pandemia escancarou a sobrecarga física e mental dos profissionais da saúde. Desde então (e mesmo muito antes disso), testemunhamos uma luta constante por melhorias na enfermagem. Outro fato — apesar da lentidão e dos inúmeros desafios, estamos avançando, ainda que aos poucos, rumo a melhores condições de trabalho. Ou será que não?
Mas não quero falar de avanços institucionais hoje. Quero falar de você.
Nesses últimos cinco anos, como sua carreira evoluiu? Onde você estava? Onde está agora? O que você fez para alcançar melhores condições de trabalho ou reconhecimento financeiro pela sua excelência profissional? Esse texto é para quem se sente frustrado ao responder essas perguntas — ou pior, para quem se irrita e se enche de justificativas para cada resposta. Também é para quem convive diariamente com colegas visivelmente insatisfeitos, frustrados e negativos dentro da equipe.
Depois de tantos anos na assistência, aprendi muito sobre maturidade e autorresponsabilidade. Vi erros graves sendo normalizados como parte da rotina, práticas sem embasamento científico sendo repetidas por pura inércia, e profissionais desmotivados recusando-se a estudar ou propor soluções — limitando-se a reclamar por reclamar.
Estamos, sim, enfrentando um colapso de formação e de postura profissional. Encerramos processos seletivos por falta de profissionais minimamente capacitados. Há quem se forme em saúde sem domínio de anatomia, português ou matemática básica. Depois, se dizem vítimas da falta de oportunidades. Mas será que realmente faltam oportunidades?
E aos colegas que vivem se sentindo injustiçados no ambiente de trabalho: será mesmo que o problema é a enfermagem? Ou será sua postura?
Você cumpre o básico da convivência profissional? Respeita seus técnicos? Ou passa o plantão inteiro reclamando da equipe, da chefia, do setor… da profissão — sem ao menos tentar sair dela?
Nestes quase dez anos, ouvi frases que me chocaram:
• “O paciente estava todo evacuado, fingi que não vi e joguei um lençol por cima.”
• “Ele tem câncer, essa dor deve ser crônica, não precisa priorizar.”
• “MINHA técnica administrou o FIBRINOGÊNIO errado!”
• “Vou deixar pra trocar ele no fim do plantão, já troco uma vez só.”
• “Me formei pra mandar, não pra trocar fralda.”
• “Vou deixar para me especializar somente SE eu estiver cotada para o cargo.”
Nenhuma dessas falas saiu da boca de profissionais realizados ou respeitados. Sempre vinham dos mais insatisfeitos — com tudo e com todos. Então eu te pergunto: será que o problema é o mercado? Ou é você?
Até quando vamos colocar a culpa no externo?
Eu sei que há hospitais com carência extrema — sem luvas, soro, papel higiênico….E sim, há realidades que justificam a exaustão e a frustração. Mas não é sobre essas realidades que estou falando. Estou falando daquele colega que, mesmo em um hospital premium, com todos os recursos, ainda assim reclama de tudo — e não propõe nada.
Existe uma linha muito fina entre ser um profissional consciente das dificuldades do sistema e ser um agente tóxico dentro da equipe. Talvez você nem perceba, mas se se identificou com algo aqui, está tudo bem. O importante é o que você vai fazer daqui pra frente.
Comece com uma pergunta: “Como EU posso contribuir para resolver esse problema?”
Isso já é um excelente começo.
Quero encerrar com uma reflexão publicada recentemente pelo meu colega Lincoln em seu Instagram — uma lembrança poderosa sobre o tamanho da responsabilidade que carregamos enquanto profissionais da saúde. Para ler o post na íntegra, clique aqui.
Fonte: @lincolnvitor
E finalizo meu primeiro artigo de opinião neste (meu) blog com um lembrete: o mundo é vasto. Você tem inúmeras possibilidades dentro da enfermagem — e ainda mais fora dela. Não desperdice seus dias sendo infeliz por conta das suas próprias escolhas. Seja livre. Busque sua felicidade. E, por favor, não contamine os outros com seu pessimismo. Beijinhos e até a próxima!
E ai, gostou dessa publicação? Deixe um comentário!
Nunca li tanta verdade em um post! Uma verdade necessária, que nos fazem refletir onde estamos e para onde queremos ir!
ResponderExcluirFaça um favor para você e para as pessoas ao teu redor: Esteja onde quer estar, e poupe as outras pessoas das suas frustrações, que por vezes você mesmo é o responsável!
Só li verdades, e são verdades necessárias e libertadoras, muita gente frustrada reclamando da enfermagem, mas não vai ser feliz e o pior de tudo que essas reclamações deixa o ambiente pesado. Eu já fui essa pessoa, até um dia que eu resolvi mudar. Parabéns pela postagem
ResponderExcluirComo sempre cirúrgica, fireta e objetiva.
ResponderExcluirVivo um pouco incomodada com algumas coisas, procurei estudar para entender melhor e isso tem ajudado muito. Importante termos visão por vários pontos.
Que texto incrível! Uma reflexão poderosa para nós profissionais da área. Parabéns por explanar tão bem esse assunto, sendo tão necessária em diversos pontos. Amei esse espaço, sucesso para o blog. 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼
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