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Resumão Científico: Cuidados com Cateter Vesical de Demora e Prevenção de Infecção do Trato Urinário Associada a Ceteter Vesical

 O cateterismo vesical é um procedimento de assistência amplamente difundido no mundo há muitos anos e sua utilização vem sendo cada vez mais estudada, não só do ponto de vista técnico, mas também com relação aos cuidados antes, durante e após sua inserção, com o intuito de evitar complicações. 

O cateter vesical, assim como todos os dispositivos invasivos, possui bundles de cuidados para prevenção de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde (IRAS). Além disso, a Enfermeira deve garantir cuidados em cada etapa do processo, mesmo antes do procedimento, já que precisamos nos certificar de que o paciente REALMENTE tem indicação para utilizar o dispositivo.

Nesta publicação, iremos discutir aspectos relacionados à seleção do paciente com indicação para o procedimento e pontos-chave na inserção e manutenção do cateter para prevenir Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter Vesical (ITU-AC).


Frederic Foley 


Cateterismo Vesical de Demora (CVD): Quais os Pacientes elegíveis?

A publicação da Anvisa de 2017 "Medidas de Prevenção de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde" propõe as seguintes situações elegíveis para CVD:




A Diretriz da European Association of Urology Nurses (2012)apesar de mais antiga, está de acordo com o previsto pela Anvisa, porém reforça de maneira ainda mais firme a utilização de CVD apenas em situação de extrema necessidade,  destacando alternativas ao cateterismo, como a drenagem suprapúbica, que inclusive demonstra taxa mais baixa de infecção em relação a cateteres uretrais (mais precisamente em situações de maior tempo de uso). Também foi recomendada a prática de cateterismo intermitente, mesmo que realizado pelo paciente, em contexto domiciliar. Além disso, as diretrizes também são contra o CVD em pacientes em instituições de longa permanência que apresentam incontinência e, por fim, pontua como irresponsável a prática de utilizar um cateter apenas para o conforto da equipe de enfermagem.

Cuidados na Inserção e Manutenção de Cateteres Vesicais

Após definição do paciente elegível para o cateterismo vesical, a Enfermeira deve analisar exames laboratoriais em busca de possíveis alterações que aumentem o risco de sangramento, como TTPA aumentado e plaquetopenia. No histórico e exame físico, observar fatores prévios ou anatômicos que possam dificultar a inserção do dispositivo, como hiperplasias, estenoses uretrais, dificuldade de inserção anterior, entre outros. Por fim, a Enfermeira deve certificar-se de que não houve utilização de fibrinolíticos ou medicamentos que aumentem o risco de sangramento, a exemplo do rt-PA.

O objetivo desta publicação não é descrever o passo a passo do procedimento de CVD, mas sim, discutir as principais evidências para as melhores práticas. Por isso, discutiremos a literatura acerca de questões comuns na prática clínica. Como deve ser realizada a higiene/antissepsia da região íntima? Existe alguma técnica superior? O que os bundles de CVD trazem a respeito das boas práticas e prevenção de IRAS? Devo testar o balonete antes inserir o cateter de demora? Como prevenir lesão do trato urinário?

Fonte: Perry e Potter, 2021 (9ª edição)

Preparo da região íntima: de acordo com as orientações da Anvisa, antes do procedimento, deve ser realizada higiene íntima com água e sabonete líquido comum ou antisséptico e, após preparo do campo estéril, antissepsia com produto padronizado pela instituição, mas não cita solução ideal. As Diretrizes da European Association of Urology Nurses também não deixam informações claras sobre o preparo da região íntima antes do procedimento. O Ensaio Clínico Randomizado publicado em 2019 pela Enfermeira Camila Cláudia Campos comparou 3 tipos de solução para antissepsia no cateterismo vesical (água, sabão e gluconato de clorexidina aquosa 2%; gluconato de clorexidina 2% degermante, água bi-destilada e gluconato de clorexidina aquosa 2%; e PVP-I 10% degermante, água bi-destilada e PVP-I aquoso 1%). Não houve nenhum caso de Infecção do Trato Urinário e  o estudo concluiu que não houve diferenças estatisticamente significativas nas incidências de bacteriúria assintomática em qualquer dos produtos utilizados, convergindo com a literatura revisada pela autora na tese.


Bundles e Boas Práticas: rotinas institucionais para prevenção de IRAS já são amplamente difundidas na literatura. Em se tratando de cateteres vesicais, os pacotes de boas práticas geralmente incluem: higiene das mãos imediatamente antes e após qualquer manipulação do cateter e do sistema, uso de luvas descartáveis ​​ao manusear o sistema, manutenção do fluxo de urina desobstruído, manutenção do cateter e tubo coletor livres de dobras, manutenção de bolsa coletora sempre abaixo do nível da bexiga, JAMAIS apoiar a bolsa no chão, esvaziar o saco coletor regularmente usando um recipiente separado para cada paciente, evitar respingos e evitar o contato da torneira de drenagem com o recipiente de coleta não estéril. Além disso, as recomendações descritas na literatura também enfatizam a importância da estruturação e implantação de protocolos, garantia de recursos materiais e pessoal devidamente treinado e atualizado, vigilância, acompanhamento de eventos adversos em busca de melhoria de processos e orientações sobre práticas não recomendadas. Veja a seguir práticas desencorajadas pela literatura atual:


Fonte: Anvisa, 2017


É recomendado o teste do balonete antes da inserção? 

Por enquanto, a questão ainda é irrelevante. Primeiro, porque nada muda em relação a custos com o procedimento. Agulha, água destilada e a seringa continuam sendo necessárias durante a inserção. Segundo, porque a literatura ainda é muito escassa em evidências sobre lesões do trato urinário diretamente ligadas à esta prática. Livros, artigos e guidelines internacionais pontuam que deve-se insuflar o balonete de acordo com o fabricante. A Anvisa ainda pontua 2 momentos possíveis para testagem de balonete durante o procedimento. De acordo com Perry e Potter (2021), existem duas situações importantes para nos preocuparmos em relação ao balonete: garantir segurança na técnica para JAMAIS insuflá-lo na uretra e garantir que ele se mantenha insuflado enquanto estiver na bexiga, evitando assim, complicações vesicais  decorrentes dos sulcos formados pelo balonete vazio. Mazzo (2015) reforça a importância do teste do balonete no intuito de identificarmos problemas no material, evitando uma segunda inserção. 

O fato é que, com os avanços tecnológicos, a fabricação de cateteres vesicais segue cada vez mais segura e o fabricantes recomendam cada vez menos o teste do balonete antes da inserção. Portanto, acredito nessa tendência de mercado (não só pelo que citei, como também pelo fato de que não testar o balonete diminui etapas na manipulação de material). De qualquer forma, seguimos aguardando novas recomendações nacionais e internacionais em breve.



Fonte: European Association of Urology Nurses, 2012


Fonte: Anvisa, 2017 

 
Fonte: Perry e Potter, 2021


Por fim, observa-se que as principais complicações do CVD estão relacionadas à lesão do trato urinário decorrente de insuflação na uretra e ITU-AC decorrentes de falhas na técnica de inserção e não cumprimento de bundles institucionais. Seja uma multiplicadora de boas práticas e fomente bundles de prevenção à IRAS na sua unidade.


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